CONTEM COMIGO!
Impressionou-me muito esta fotografia de Rui Costa.
O momento captado mostra o médio do Benfica no Estádio da Luz depois de ter marcado o segundo golo contra o FC Copenhaga. A expressão de Rui Costa é enigmática. De certa forma, também é reveladora de uma maneira particular de estar no futebol, íntegra e apaixonada. Não consigo recordar com rigor o antes e o depois deste instantâneo. Vi os golos em repetição televisiva. Vi o jogo a espaços. Ainda assim arrisco uma leitura deste rosto de grito contido, de herói carismático.
Rui Costa não é um jogador novo (muitos com a sua idade já penduraram as botas). Já não é um jogador rápido. E aguenta com dificuldade os 90 minutos de uma partida. Mas tem, dos pés à cabeça, duas características que o transformam num jogador raro nos relvados portugueses: experiência e inteligência.
Durante a pré-época, e até antes de assinar de novo pelo clube que o lançou, soaram daqui e dali críticas à aposta na sua continuidade como um dos pivôs do jogo do Benfica do meio campo para a frente. No primeiro jogo oficial do clube da Luz esta época, parece que Rui Costa foi um dos poucos a remar contra a maré, ou seja, a remar contra a mediocridade em que está mergulhada a sua equipa. A tal ponto que vi escrito em algum lado que não foi o Benfica que ganhou o jogo contra o Copenhaga, mas sim Rui Costa. Dois remates certeiros de fora da área no mesmo jogo não acontecem muitas vezes. Aconteceram a Rui Costa nesta partida porque, creio, ele era um jogador acossado na sua dignidade. Os golos de longe não são uma novidade nos seus pés. Mas estes revestiram-se de uma importância particular, porque significaram não só uma esperança, ainda que vaga, da continuidade da sua equipa na Liga dos Campeões, mas também o reafirmar da sua classe como jogador e a reposição da sua honra no relvado.
Esta expressão grave, de dentes cerrados, revela um jogador ferido que foi obrigado a recuperar o brilho fazendo extraordinariamente bem aquilo que sempre soube fazer bem, ultrapassando-se.
Este rosto ainda queimado pelo sol das férias relembra a parangona que diz “quem sabe nunca esquece”, ainda que nos pés venha ainda colada alguma areia fina das praias do Algarve.
Esta cara de alegria travada, de alegria que parou antes de chegar à garganta, mostra um jogador renascido e de novo amado por aquilo que é e por aquilo que sabe fazer, sem grandes piruetas nem mortais à retaguarda.
Esta cara tem um olhar incerto, abstracto, para lá do círculo do estádio. É um olhar perdido de alguém que foi reencontrado por milhares em êxtase à sua volta, por milhões a olhar para si.
Esta cara é quase a ausência de emoção no meio do turbilhão de emoções que rebentam depois da bola entrar na baliza. É também uma cara de pequena vingança para quem menosprezou, espezinhou e foi malcriado. É a cara de um homem que, num momento de comunhão e adrenalina total, quis ficar só. Como quem enfrenta a besta sem gritar pela 7ª Companhia.
E, contudo, não é a primeira vez que Rui Costa remata de muito longe um tiro certeiro para repor o seu brio, para nos mostrar a entrega com que veste a camisola. Aconteceu nos quartos-de-final do Euro 2004 contra a Inglaterra, quando era um dos mal-amados da selecção. Aconteceu quando marcou o terceiro golo de Portugal, um golo decisivo numa vitória histórica. Aí, lembro-me bem, Rui Costa abriu os braços, fechou os punhos e gritou.
Foi só uma forma diferente de dizer: “contem comigo, estou aqui!”.
* esta postagem foi retirada do blog: blogs.publico.pt/artephotographica
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